quinta-feira, 17 de julho de 2014

Cenários de um futebol decadente

Derrotas em campo revelam perspectivas negativas para o futuro


Carlos Plácido Teixeira
Colunista Radar do Futuro - Diário do Comércio  

A derrota do Brasil para a Alemanha, nas semifinais da Copa do Mundo, apenas explicitou e ampliou a percepção sobre a crise do futebol do país. A decadência já era fato consumado entre pequenos círculos de especialistas independentes, mas sem o tamanho da consciência que ganhou agora. O futebol perde força há algum tempo, como o entretenimento preferido, acompanhado por multidões. Contraditoriamente, cresce o interesse de investidores e patrocinadores nos negócios associados ao esporte. Em síntese, a televisão perde espectadores e os estádios têm menos público. Mas a receita da principal emissora do país continua em crescimento.

No momento em que a marca Brasil associada ao turismo ganha poder, a atividade esportiva nos campos brasileiros, como negócio, corre o risco de ter, no futuro, perfil semelhantes ao do mercado de café. O país é líder absoluto da produção dos melhores grãos. Mas a Alemanha, a campeã na Copa do Mundo de 2014,  lidera o ranking de receita com o produto. Sem ter um pé plantado em suas terras. “Não é de hoje que o Brasil não tem bom futebol. Inclusive porque passamos a ser exportadores de commodities. Tanto é assim que os nossos treinadores não encontram matéria-prima no mercado interno, quando necessitam montar uma seleção”, protestava um torcedor em um grupo de discussão na internet. De fato, dos 23 integrantes da equipe atual, apenas quatro jogam no Brasil. Dois deles são goleiros.

A atual enxurrada de análises publicadas nos veículos de comunicação tradicionais, em portais e mídias sociais, constata que a derrota na Copa foi um marco. Um sinal de algo mais crítico do que se percebia. Uma breve pesquisa em sites de busca revela que há mais gente questionando a crença predominante no senso comum sobre  a importância do negócio para país, fora da agenda das copas. Por exemplo, a BBC Brasil publicou, em junho de 2013, uma matéria botando em dúvida o caráter do “Brasil como o país do futebol”. O retrato da publicação apontava para “estádios cada vez mais vazios, audiência baixa na TV, clubes endividados, Seleção em má fase. Por outro lado, cotas de TV e de patrocínio em alta, jogadores de alto nível mantidos ou repatriados e expectativa em alta com a realização da Copa do Mundo e com a inauguração de novos e modernos estádios”.
Cenários
Dois cenários vão definir o futuro do esporte no país. No primeiro, o negativo, a crise ainda vai se prolongar diante da resistência da mentalidade, da estrutura e dos interesses predominantes no sistema esportivo. Não só o Brasil, mas o mundo reconhece que o futebol é um ambiente de negócios escusos, comandados pela Fifa, a Federação Mundial de Futebol. Por isso mesmo, resistente a mudanças. No cenário oposto, o resultado do jogo contra a Alemanha terá impactos imediatos, dando início a uma ruptura com a mesma estrutura que sustenta a atividade hoje. Aliás, a própria história do esporte germânico será o exemplo para uma virada eventual.
O desempenho atual do time alemão vitorioso é atribuído a um trabalho iniciado em 2000, quando o país passou por um vexame na Eurocopa. O medo de repetir erros em 2006, ano de realização da Copa nos campos germânicos, levou à revisão de prioridades. As ações incluíram o desenvolvimento de programas inéditos de formação de novos jogadores e de estratégias de fortalecimento da liga interna. Percebido o exemplo positivo da campeã do mundo de 2014, o cenário de mudanças do futebol brasileiro deve incluir a modernização de fato da gestão, com a adoção de novos modelos de negócios. Além de possibilitar o afastamento de dirigentes tradicionais, que se mantêm instalados desde os anos 1970, a busca pelo fortalecimento do mercado interno e a adoção de novas abordagens para atrair públicos, que leve em conta a combinação real do entretenimento com os ganhos financeiros.
No cenário mais provável, entretanto, o exemplo alemão não será levado em conta. Os dirigentes brasileiros do esporte tendem a manter o mesmo espírito extratitivista que carateriza, secularmente, a economia brasileira. Como o ouro que vai deixando de existir nas minas. Ou como as flores do cerrado, que vão sumindo das montanhas em regiões como o Vale do Jequitinhonha. O artesão começa colhendo perto de sua casa para encontrar a matéria-prima. Um dia, ele tem de passar dias fora para encontrar as plantas. Até não achar mais. Ou aprende a fazer a produção sustentável, para não depender da atividade extrativa, ou se conforma com as dificuldades do futuro.

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