segunda-feira, 28 de abril de 2014

A Copa sob o peso das incertezas

Copa do Mundo, em junho e julho, continua pautando as indefinições do cenário econômico.








Carlos Plácido Teixeira
Jornalista

Com cerca de mil participantes, o “4º Ato contra a realização da Copa do Mundo”, realizado em São Paulo, no dia último dia 27 de março, emitiu sinais aparentemente favoráveis para quem torce e imagina a possibilidade de obter ganhos com o principal evento do futebol. A baixa adesão de militantes contrários ao campeonato, em número praticamente igual ao dos atos anteriores e muito abaixo da multidão registrada no ano passado, foi acompanhada pelo forte aparato policial. A segurança foi escalada para passar mensagens práticas sobre como será a repressão em junho e julho. Não houve registro de violência dessa vez. Em outras capitais onde se esperava a realização de ações semelhantes, sequer houve movimento nos pontos de encontro tradicionais.

Os grandes protestos de massa parecem ter perdido parte substancial da força, oferecendo alívio parcial para alguns setores que pretendem contabilizar mais oportunidades do que ameaças com o calendário do futebol. Em especial, para empresários que, ainda hoje, oscilam as expectativas entre investir em estoques ou expansão de capacidade de atendimento ou reforçar a segurança de suas lojas. “O comportamento da população permanece como incerteza crítica no cenário de curto prazo dos comerciantes”, reconhece Gabriel Andrade Ivo, economista da Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomercio-MG).

Agora, em abril e maio, novos protestos agendados podem revelar indicadores sobre o nível de articulação dos grupos que preparam movimentos. Além da agenda de novos atos programados por ativistas, estudantes e grupos políticos, em Belo Horizonte, por exemplo, internautas promovem iniciativas contra a possibilidade de aumento das passagens já no início de abril. Boatos circularam pelas mídias sociais, seguidos por convocações para o encontro de usuários do transporte público na praça Sete, na região central da capital.

O conhecimento sobre os movimentos de grupos sociais, conectados nas mídias sociais e focados em ações localizadas, será essencial para antecipar este cenário do mercado de consumo até julho, no Brasil. Mas a dúvida sobre o nível de agressividade dos manifestantes, apoiados inclusive por seguidores da filosofia “black block” e outros grupos, da direita à esquerda, será tão grande quanto as incertezas sobre a capacidade de resistência das polícias. O centro do campo de forças estará em áreas delimitadas das grandes cidades, inclusive nos espaços selecionados pelo poder público para a aglomeração de torcedores.
Patrocinadores colocam as estratégias em campo

O levantamento geral de acontecimentos recentes, que contribuem para uma visão otimista em relação à Copa do Mundo, o número menor de adesões aos atos de protestos convocados contra a Copa do Mundo parece confortador, do ponto de vista do comerciante ou prestador de serviços. O cenário se mantém com alto grau de complexidade. E não deve ser encarado com otimismo exagerado. Professor da Universidade de São Paulo, o sociólogo Ruy Braga avaliou, em um evento realizado em fevereiro, em Portugal, que as manifestações vão ocorrer durante o evento com menor quantidade de pessoas, mas com violência maior. Para ele, o clima nas cidades terá muita mobilização, porém sob intensa repressão.

Ainda como variável a favor de quem pretende esperar torcedores com lojas abertas, entre abril e maio as campanhas publicitárias tendem a ganhar força, contribuindo para a formação do ambiente propício para a adesão popular e maior movimentação da economia. Será a formação do “espírito da Copa”, em investimentos realizados tanto por patrocinadores quanto pelos governos, em todos os níveis, principais interessados em criar o cenário de festa, acima de tudo. São 1700 produtos licenciados apenas pela Rede Globo. Os lançamentos de produtos já começaram a chegar nas prateleiras de supermercados e outros segmentos do comércio. A fabricante de pão de queijo Forno de Minas está lançando uma embalagem temática do produto tradicional, com edição limitada que chega no mercado na segunda quinzena de abril. A empresa de telecomunicações Oi vestiu, no final de março, as lojas com peças alusivas ao evento.

Fatos que jogam à favor da criação do ambiente positivo para a Copa do Mundo convivem com o acirramento, hoje, dos problemas internos, influenciados predominantemente pelo desempenho da economia e pela agenda política das eleições. Metade da população acompanha o noticiário sobre o evento com estado de espírito favorável. Mais exatamente, diz uma pesquisa do instituto Vox Populi, 50% dos brasileiros são favoráveis, outros 39% são contra e 11% são indiferentes. Nada indica, necessariamente, que todo o contingente contrário vá para as ruas.

A rejeição, que envolve especialmente segmentos da classe média, é acrescida pela percepção de que a economia não apresenta bom desempenho e que os gastos são excessivos. A inflação pressionada pelos preços dos alimentos, o balanço negativo da entrega de obras, em especial de aeroportos e de hospedagem são, já hoje, contabilizados como acontecimentos contrários à intenção dos empresários que esperam os jogos como oportunidade de negócios.
Incertezas críticas travam o mercado

No dia 28 de maio, a delegação da Austrália chega ao Brasil, abrindo a temporada de desembarque de seleções para a Copa do Mundo, que será iniciada no dia 12 de junho. O trânsito de delegações pelas cidades, entre hoteis e centros de treinamento, o início dos preparativos, jogos amistosos e o noticiário dos veículos de comunicação tendem a contribuir para a difusão e fortalecimento do “espírito da Copa”.

Em seguida, chegarão 600 mil turistas estrangeiros. É possível imaginar que uma parte considerável da população deve repetir tradições de campeonatos anteriores. Ruas enfeitadas, bares lotados e gente torcendo em casa. Redes varejistas apostam em uma demanda 40% maior nas vendas de televisores. Os torcedores têm o estímulo das campanhas publicitárias de fabricantes de cervejas, que também já estão nos meios de comunicação, reforçando o caráter de festa do evento.

Uma linha fina vai separar comportamentos positivo de negativos. São estopins, capazes de deflagrar protestos e mobilizar pessoas. A começar pela expectativa de aumento da rejeição à interferência da Fifa, organizadora da Copa, sobre o cotidiano da população. Os mesmos comerciantes devem tomar cuidado em não utilizar imagens protegidas por direitos autorais. A publicidade e outras ações de comunicação podem ser feitas desde que utilizem imagens genéricas sobre futebol e pontos turísticos, por exemplo, mas sem menções diretas à Copa.

Restrições, como a prioridade para divulgação e venda de produtos dos patrocinadores, tendem gerar mais irritação e protestos e servir como gatilho para as demonstrações de insatisfação. Algumas marcas, como o banco Itaú e a Coca-Cola tornaram públicas as preocupações com a rejeição de manifestantes. Há, também, a preocupação adicional com o comportamento dos preços de produtos e serviços. Aumentos abusivos serão motivo para a criação de listas na internet, denunciando estabelecimentos que vão além do razoável, aproveitando o evento para colocar preços nas alturas.
Comerciantes preservam otimismo em pequenas doses

O impacto dos aumentos de preços sobre a inflação nos próximos anos, a possibilidade de racionamento de energia elétrica e de água compõem, junto com as dúvidas sobre o ambiente da Copa do Mundo, o quadro de incertezas críticas do cenário dos três próximos meses, até julho. As variáveis inseridas no contexto do acirramento das disputas políticas, que terão a Petrobras como um dos eixos de novas crises.

Há um certo consenso de que, além de preços de serviços e produtos relacionados ao evento, a comercialização de alimentos vai refletir os problemas climáticos com reajustes. “O aumento dos preços de alimentos tende a se acirrar por conta dos impactos da falta de chuvas no início do ano”, atesta Daniela Almeida, professora de macroeconomia em São João del Rei e integrante do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG). O abastecimento do mercado interno será comprometido. “Não teremos uma boa safra”, reforça a conselheira do Confecon-MG. Com oferta menor, os riscos estão associados à tendência natural dos empresários de maximizar os ganhos. “Todo mundo vai querer ganhar, pressionando os preços”.

Para a economista, a preocupação com a influência da alta dos preços é correta. Porém é necessário contrapor o excesso de pessimismo que marca o debate atual sobre as perspectivas da economia brasileira que, mesmo com indicadores abaixo das expectativas, deve fechar o ano com crescimento. A inflação está elevada, porém controlada, assim como a inadimplência segue baixa e o desemprego ainda permenece baixo. “O grande desafio para o empresário na gestão das empresas é a seleção e percepção mais apurada sobre os indicadores internos e externos”, reforça a economista.

No cardápio de variáveis prioritárias para monitoramento, não são esperadas, hoje, mudanças substanciais no cenário externo, fator de risco para o desempenho da economia brasileira. Os Estados Unidos seguem com sinais de recuperação, mais lenta do que o desejado pelo mundo, enquanto a China segue em ritmo mais brando com o crescimento do PIB. No mercado brasileiro, o Conselho de Política Monetária do Banco Central deve aumentar em mais 25 pontos percentuais os juros básicos, que passarão para 11%. O mais importante é a expectativa de divulgação, em seguida, dos comunicados sobre as decisões, em que são indicados os rumos das reuniões seguintes.

O economista Gabril Andrade Ivo, da Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomércio-MG)“, também desenha um cenário menos nebuloso em 2014, reforçando o desenho em que não há aprofundamento da crise, como um eventual descontrole da inflação. O foco das preocupações é direcionado para o próximo ano pois, depois das eleições presidenciais o governo estará liberado para abrir comportas do dique de preços públicos administrados.

O consumidor está mais preocupado e cauteloso”, atesta Gabriel Ivo. Comportamento que será a marca de todo o ano, pelo volume de variáveis incertas colocadas no caminho do brasileiro, em especial dos empresários que, segundo Gabriel Ivo, estão um pouco mais otimistas com o futuro, depois de sobreviver ao primeiro trimestre. O período não foi ruim, mesmo que sem motivos para comemorações. Na verdade, comerciantes da região central de Belo Horizonte até encontram motivo para ter um otimismo maior. O final das obras do sistema de transporte coletivo, o Move, dão nova esperança de recuperação das vendas nos próximos meses.

Cenário para comerciantes e prestadores de serviços

Acontecimentos - sinais favoráveis
Acontecimentos - sinais desfavoráveis
Perda de força das mobilizações
Desgaste do espírito “black block”
Rejeição à violência
Início das campanhas publicitárias: engajamento da classe média
Articulação e preparação de sistemas de segurança
Engajamento da imprensa esportiva
Vendas de ingressos
Rejeição crescente da Copa do Mundo
Adesão limitada da população à Copa
  • Pesquisa Nielsen: 47% da população são favoráveis à Copa
Queda de popularidade do governo federal
Denúncias de corrupção
Desempenho da economia
Preço dos alimentos em alta: pressões infllacionárias
Forças futuras favoráveis
Forças futuras contrárias
Interesses de patrocinadores: Rede Globo tem 1,7 mil produtos licenciados
Ausência de fatos pontuais, geradores de protestos, como aumento de tarifas
Expansão do “espírito da Copa”: adesão da imprensa esportiva
Início de preparação de equipes: chegada de ídolos
Engajamento de torcedores fanáticos
Chegada em massa de turistas estrangeiros
Estopins para protestos
  • Eventos que destaquem o poder excessivo de interferência da Fifa
  • Sinais abusivos de regalias de grupos, como patrocinadores
  • Mudanças de rotinas geradas pelo evento
  • Aumentos absurdos de preços de serviços
  • Problemas de infraestrutura: confirmação de expectativas negativas
Insatisfação crescente da classe média
Holofotes do mundo: estímulo ao comportamento de massa
Problemas de abastecimento de energia elétrica e água

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