terça-feira, 15 de abril de 2014

A fragilidade da classe média mundial

DO "FINANCIAL TIMES"

Muljoko, 27, faxineiro que trabalha em uma das reluzentes torres de escritórios de Jacarta, na Indonésia, ostenta todos os símbolos que caracterizam as pessoas recentemente promovidas à classe média.


Ele tem uma moto, usa um smartphone Sony e leva no pulso um relógio-fone de aparência futurista que usa para trocar mensagens de texto com os amigos enquanto trabalha.

Sua vida é infinitamente melhor agora do que na infância que passou em uma aldeia agrícola empobrecida no sul de Sumatra. Como milhões de pessoas em todo o mundo nas últimas três décadas, Muljoko deixou a pobreza para trás e agora é um orgulhoso integrante da classe média urbana emergente da Ásia.

Mas observar suas finanças -e aspirações - de mais perto revela que o lugar dele na classe média é bem mais frágil do que parece. Muljoko ganha o salário mínimo de Jacarta, de 2,4 milhões de rúpias ao mês, o que significa que ele vive com o equivalente a US$ 7 por dia.

Cerca de metade do dinheiro vai para o pagamento do pequeno quarto de pensão que divide com o irmão, e da comida. Depois de cobrir os custos de combustível e manutenção da moto, restam apenas 500 mil rúpias (US$ 44) ou menos ao mês para que ele cubra todas as demais despesas, envie dinheiro para sua família em Sumatra ou economize para o casamento, seu objetivo mais importante.

Não admira que Muljoko se preocupe com o futuro.

Ele se preocupa com o que faria caso surja uma emergência médica na família, e sobre o quanto seu salário duraria caso ele venha a se casar e formar nova família. Pela definição padrão do Banco de Desenvolvimento Asiático para a renda de classe média, ou seja, ganhos entre US$ 2 e US$ 20 por mês, ele pode se considerar membro oficial do grupo. Mas não é assim que se sente.

"Não me sinto seguro", ele diz.

MÉDIA FRÁGIL

Quanto a isso, o jovem indonésio é emblemático de um grupo que está cada vez mais em foco agora que as economias emergentes estão se desacelerando. Apesar de tudo que se fala sobre uma nova classe média, Muljoko na realidade poderia ser descrito melhor como parte da média frágil do planeta: os três bilhões de moradores de países emergentes que sobrevivem com entre US$ 2 e 10 ao dia, o que os coloca acima da linha da pobreza mas ainda assim os força a lutar pela segurança financeira que caracteriza a classe média.

Não há dúvida de que o mundo é hoje menos pobre do que no passado, ou que décadas de crescimento rápido criaram milhões de novos consumidores nos países em desenvolvimento.

Em 1990, um total estimado em 1,9 bilhão de pessoas, ou um mais de um terço da população do planeta, sobrevivia com menos de US$ 1,25 ao dia, de acordo com o Banco Mundial. Em 2010 o número havia caído a 1,2 bilhão, menos de um quinto da população da Terra.

Nos 25 anos transcorridos desde a queda do Muro de Berlim, as pessoas com renda de entre US$ 2 e US$ 10 ao ano foram as maiores beneficiárias da globalização. O mundo rico pode estar envolvido em um debate sobre a crescente desigualdade, mas o rápido crescimento econômico da China e outros países em desenvolvimento tornou o planeta mais igual, como afirma Branko Milanovic, uma das maiores autoridades mundiais sobre desigualdade.

Na China, Índia e África subsaariana, o crescimento econômico robusto ajudou a criar uma vasta classe de consumidores, atraindo companhias multinacionais determinadas a vender-lhes produtos que não muitos anos antes estariam fora de alcance: celulares, cerveja, salgadinhos e muitos produtos domésticos.

Mas colocado no contexto mundial, o número de pessoas que se tornaram parte sólida da classe média continua pequeno, enquanto o crescimento da média frágil foi exponencial.

Uma análise do "Financial Times" sobre mais de 30 anos de dados do Banco Mundial quanto a 122 países em desenvolvimento ilustra essa mudança de sorte. Com a queda da pobreza, o número de pessoas agrupadas na estreita faixa logo acima da linha da pobreza cresceu.

Mas apenas um total relativamente baixo de pessoas consegue subir acima disso. O resultado é que 40% dos moradores do planeta hoje são parte da média frágil.

"A humanidade é composta por mais pessoas desse grupo do que de qualquer outro grupo", diz Homi Kharas, economista da Brookings Institution, uma organização de pesquisa, e um dos maiores especialistas mundiais na ascensão da classe média em mercados emergentes - uma categoria que ele na verdade diz começar por uma renda de US$ 10 ao dia.

"É uma classe maior que a classe média. Maior que os ricos. Maior que os pobres. O objetivo central deveria ser elevar todas essas pessoas para a classe média".

Indonésia

MUDANÇA SOCIAL

Em 2010, o ano mais recente sobre o qual existem dados disponíveis, 40% da população mundial - 2,8 bilhões de pessoas - vivia com entre US$ 2 e US$ 10 ao dia (pela equivalência de poder aquisitivo do dólar em 2005).

Nos países em desenvolvimento, havia 2,4 bilhões de pessoas vivendo com menos de US$ 2 ao dia e apenas 662 milhões delas com renda diária superior a US$ 10 ao dia, de acordo com a análise do "Financial Times".

Os números refletem uma mudança notável. Em 1981, 58% da população mundial viviam com menos de US$ 2 ao dia. Apenas 20% das pessoas - 930 milhões - tinham renda diária entre US$ 2 e US$ 10.

Mas estender esse avanço agora está se tornando mais difícil, porque o grande surto de crescimento dos mercados emergentes nos últimos 30 anos parece estar chegando ao fim. Com a desaceleração do crescimento, a ascensão de uma classe média nos mercados emergentes pode parecer menos inevitável.

Em estudo apresentado neste mês, economistas do Banco Mundial alertavam que "o crescimento dos países em desenvolvimento pode se tornar entre 2% e 2,5% mais baixo do que vinha sendo no período anterior à crise".

De acordo com Kaushik Basu, economista chefe do Banco Mundial, mesmo que os países em desenvolvimento continuassem a apresentar o crescimento acima da norma que obtiveram nos últimos 20 anos, seria improvável que o banco realizasse seu objetivo de eliminar a pobreza extrema do planeta até 2030.

Mais preocupante é a possibilidade de que um período prolongado de crescimento lento venha a erodir os ganhos das últimas décadas. Até que ponto as pessoas que saíram da pobreza estariam vulneráveis a cair de volta a essa situação?

"Essa é uma questão muito boa", diz Basu. "E em minha opinião elas ainda estão muito vulneráveis".

Décadas de sucesso resultaram em uma tendência a pensar na luta contra a pobreza como um percurso de mão única: as pessoas sobem os degraus da escada econômica, e nunca mais os descem.

LINHA DA POBREZA

Mas em muitos países em desenvolvimento continua a haver grande alternância entre estar acima e abaixo da linha da pobreza, a cada ano.

A renda na Índia rural continua vulnerável a más safras, de modo que a marcha para fora da pobreza e de volta a ela está intimamente ligada às monções. Na Indonésia, 55% dos pobres, em qualquer dado ano, estavam vivendo acima da linha da pobreza um ano antes, de acordo com o Banco Mundial.

Alguns economistas especialistas em desenvolvimento argumentam que a melhora nas redes de seguridade social em países como o Brasil garantem que as pessoas que saíram da pobreza têm menos probabilidade de retornar a ela do que seria o caso mesmo uma década atrás. Mas essas redes de proteção têm muitos buracos.

A contração de dois dígitos que a economia indonésia viu em 1998 como resultado da crise financeira asiática e do fim dos 34 anos de governo do homem forte do país, Suharto, arremessou milhões de pessoas de volta à pobreza. O forte crescimento dos últimos anos colocou a Indonésia em situação mais firme. Mas uma vasta porção da população continua vulnerável.

Em 2010, 111 milhões dos 240 milhões de moradores da Indonésia continuavam a ter renda inferior a US$ 2 por dia. Outros 125 milhões de pessoas viviam com entre US$ 2 e US$ 10.

Algumas poucas centenas de magnatas controlam grande parte da riqueza do país, mas 99% das empresas indonésias são pequenas ou micro. E mesmo que muitas das pessoas que as controlam tenham tecnicamente ascendido para a classe média, elas continuam vulneráveis a choques.

Rasyad Parinduri, economista do campus da Nottingham Business School, da Malásia, diz que os camelôs e pequenos comerciantes são os "empreendedores de subsistência" da economia indonésia. Em um estudo recente, ele constatou que a morte de um membro da família nos cinco anos precedentes reduzia os ativos dessa categoria por em média 30%.

Porque as fileiras da classe média agora são grandes demais para ignorar, seus membros estão propelindo a mudança nos países em desenvolvimento. Em democracias como a Índia e a Indonésia –que estão ambas envolvidas em campanhas eleitorais históricas–, as pesquisas demonstram que os eleitores gravitam na direção de candidatos que prometem boa governança, reforma e um futuro econômico mais brilhante.

No Brasil, onde a economia passa por um período de crescimento lento e alta na inflação, a média frágil está cada vez mais inquieta, como mostram os tumultos no ano passado, iniciados por um paroxismo comunitário quanto ao transporte público ineficiente.

Os líderes da China enfrentam uma ameaça existencial: precisam manter a média frágil do país satisfeita ao mesmo tempo em que reequilibram sua economia.

Recentes anúncios das autoridades de Pequim tiveram por foco a habitação por preço acessível, concessão de maior número de licenças de moradia e uma melhor infraestrutura de transporte para os trabalhadores migrantes que, embora se tenham beneficiado do boom chinês, também foram prejudicados pela alta dos preços e pela falta de acesso à educação e saúde pública.

CRESCIMENTO

Basu continua otimista quanto a que padrões de crescimento parecidos com os recentes um dia voltem a existir nos países em desenvolvimento.

Mas também está cauteloso diante dos riscos que poderiam reverter anos de progresso: a desaceleração na economia chinesa, novas tecnologias tais como robôs e impressoras 3D, e um mundo no qual os salários representam parcela menor do Produto Interno Bruto (PIB).

O mundo está em um ponto de inflexão, ele diz, ainda que isso talvez não seja compreendido dessa forma. "Creio que este seja um momento importante da História econômica mundial", diz Basu.

"Mas é um momento muito estranho, porque os grandes desafios subjacentes não são os desafios mais visíveis".




Tradução de PAULO MIGLIACCI




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